Ao Telefone...

“Primeira premissa: O cavalo é um mamífero.
Segunda premissa: O homem é um mamífero.
Conclusão: Logo, o homem é um cavalo.”
(Iran Maia sobre verdades filosóficas incontestáveis)


- Você tá aonde?
- Oi meu amor, boa tarde, eu te amo.
- Sim, tá bom. Você tá aonde?
- No Maraca, no meio de uma partida importantíssima do Fla-Flu.
- Safado!! Nem me chamou, bem que eu desconfiei do barulho.
- Com o telefone de casa no bolso.
- É é? – meio sem graça.
- O barulho de Fla-Flu é João Gilberto. Igualzinho, né?
- Tchau, depois agente se fala.

Caro leitor, acredito que não seja muito difícil pra vocês acreditar que essa conversa foi real, acredito que quase todo mundo já viu como age uma mulher diante de um aparelho telefônico. É a glória, telefone é simplesmente o símbolo, a expressão máxima da libertação feminina, algo que as leva desse mundo para um mundo ilógico chamado Matrix. Antes de tudo deixa-me esclarecer, por favor, antes que vocês façam má idéia da minha queridíssima (perdoai o superlativo) namorada e saiam por aí dizendo :

- Viram como é burra a namorada do Costa?

Nada disso, ficaria até muito aborrecido se chegasse a ouvir um dia um comentário tão inglório. Ela é uma mulher, culpa nossa que quando inventamos o celular não imaginamos os efeitos que esse poderia ter sobre toda a configuração social que hoje se estabelece pelo mundo (ex.: cervejinha no bar com os amigos, papo lá pelas tantas, filosofia, futebol, política, geopolítica, tudo misturado com sexo que sempre tem alguém pra colocar sexo em tudo, e liga a patroa horrorizada, apavorada com o tamanho da barata que apareceu no banheiro. Sacanagem. Vai pra casa matar, queridão, senão não tem “coisinhas” hoje noite a dentro, pelo menos não dentro. Não vai perder a moral). Perdemos nossa liberdade, com certeza .

Minha namorada é inteligentíssima (amo superlativos pra falar dela, acho que nada descreve melhor, algumas vezes até invento alguns), estuda no CEFET, devora o computador, fala inglês e francês, super antenada em tudo o que está acontecendo, no entanto, me liga no meio da noite:

- Você tá aonde? – essa pergunta não pode faltar, acho que é convenção internacional das mulheres.
- Em casa, amor. Você tá ligando pro fixo.
- Ah, é mesmo. Você tá dormindo?
- Nem sei mais. Aconteceu alguma coisa,meu anjo?
- Não, não. Desculpa aí, atrapalhei seu sono.
- Ouvir sua voz – bocejando – é melhor que qualquer noite de sono.
- Boa noite.

Eu estava tão bêbado de sono que só me lembrei que não havia respondido o boa noite no dia seguinte sei lá porque.
Querida leitora, leitora do meu coração. Minha intensão ao escrever estas coisas não é criticar de forma degradante o sexo oposto, inferiorizar o sexo feminino que amo tanto como fazem uns e outros por aí que, assim como todo o resto dos homens, não consegue compreender vossa complexidade. Como talvez diria o grande Vinícius : “Perdoai, eles não tem culpa de ter nascido”. Escrevo apenas com o intuito de pilheriar com a vida, lembrar o que aconteceu comigo há algum tempo (o que seria da vida se não fossem esses pequenos surtos de loucura que temos vez ou outra?).
Cansado de tudo, certa feita, cansei-me também de tantos telefonemas femininos que passei a receber a todo instante da minha mãe, por conta da chegada da minha tia que acabara de chegar da Bahia, da minha tia, pra gastar créditos bônus, que ela recebia da operadora, sob o pretexto de matar saudades, primas, enfim. E estava eu lendo um bom livro em algum lugar tranquilo e... “você tá aonde?”, andando na rua cheio de coisas pra fazer, com uma pressa de cometas e... “você tá aonde?”. Eu comecei a surtar, pra mim todas as mulheres que faziam telefonemas pela rua o faziam pra me atingir. Elas estavam olhando pra mim!!! Todas pareciam me perguntar onde eu estava e falavam coisas desconexas! Percebi que estava ficando maluco. Fui até um restaurante ao qual sempre gostei de ir para tomar um vinho, desses que só se encontram em Copacabana. Comecei a bebericar o vinho e o celular começa a tocar, eu estava tremendo, o simples fato de saber qual seria a primeira pergunta me causava um efeito nauseante, afrouxei a gravata, atendi:

- Você tá aonde?

Desliguei o celular, não queria ouvir mais nada, nada mais fazia sentido. Paguei a conta e saí para caminhar pela praia. A noite estava linda, mas a imensidão me parecia pesada, a areia parecia querer me puxar para que eu não andasse... tudo queria que eu perdesse a liberdade. Meu Deus! Fui pra casa. Estava aterrorizado. Minha namorada me esperava com um lindo sorriso, sempre mais lindo que o anterior. Céus, havia esquecido, iriamos pro teatro hoje, ainda dá tempo:

- Você tava aonde?
Quem é essa estranha?!!
- Querido, você está bem? Está um pouco atônito.
Como assim? Ela é a mulher que eu amo.
- Você foi a praia? – meus pés estavam sujos de areia.
- Sim, meu anjo, estava. Resolvi caminhar um pouco.
- Algum problema? Algo que você queira me contar?
- Nada, deve ser estresse. – na verdade eu estava com alergia à pergunta “você tá aonde?” e observações óbvias – já disse que você é linda?
- Já sim. – como um sorriso nas orelhas, nada melhor pra inflar o ego de uma mulher.
- Já disse o quanto te amo? – blá, blá, blá.
Querem saber? Não me importo mais. Naquele momento, olhando aqueles olhos (mas que olhos!) e abraçando aquela mulher maravilhosa eu me dei conta do quanto eu era feliz e o quanto todos os homens...
- Amor, você tá aí? Oi, acorda.
 
 
Iran Maia