O Zé


José dos Santos acordou às cinco da manhã em seu castelo colorido. Único lugar onde não se sentia um Zé. Olhar fixo no teto meio lúgubre ao horário de verão, mente fixa sabe-se lá onde. Está desmembrado! Mete-se em seu traje de felicidade. E por que não o Zé dos Santos? Homem, humilde. Lembre-se disso. E por que não o Zé?

Tem um soninho bom, depois dos sonhos os mais gostosos, pequeninos. Vaga o coração pro teatro lá fora. Está desmembrado. É tudo tão teatral! Ama Jucilene, que finge. Ama Cleidson, que finge. Só não finge o galo que canta com uma hora de atraso. Para este o dia não finge chegar mais cedo. Zé reza pro mundo não acabar antes que ele consiga fingir que finge. E por que não o Zé? Homem, humilde. Lembre disso. E por que não o Zé?

Tem um sorriso nas orelhas. É, o Zé, homem, humilde, está desmembrado. Nada nele está no lugar. Sua cabeça está por aí a sondar questões que só ele quer saber. E por que não o Zé? Homem, humilde.

O caso é que o Zé saiu pra vida, entre pedaladas pensativas, com sua bicicleta de cestinho. Seu Batmóvel. Ia sem saber onde, embora fosse todos os dia. E viu Alice no país das maravilhas. Era o teatro mais lindo do mundo! Estava desmembrado. Como era lindo vê-la fingir reclamar do quanto todos fingiam. E seus cachos não eram seus. E era toda ela uma criação. Também estava desmembrada.

Seus olhos se encontraram. Zé embriagou-se com Baudelaire, sofreu o spantum do homem que quebra suas cadeias e vê a luz pela primeira vez. Sim, o Zé!! E por que não o Zé?! Voltar à terra não tinha mais graça. Pra ser homem?! Humilde?! Nos olhos de Alice ele era Eros.

Mas Alice desviou os olhos, cortou-lhe as asas. Não estava pronta para ser sua Psiquê. Não do Zé, homem, humilde. Destroçou-o. Lembre-se disso. E por que o Zé? Preferiu sua cabeça, com seus cachos, à rodar com questões que o Zé nunca lograra fazer. Se esquecera. Logo o Zé? Homem, humilde? Sim, o Zé. Lembre-se do Zé. 

Iran Maia